Neste sábado último (13/10) completei o que gosto de chamar de “hat-trick” wateriano, assistindo o terceiro show de Roger Waters em três turnês diferentes.
De imediato, quero ressaltar que resolvi focar esta resenha na parte artístico-musical da apresentação do eterno gênio floydiano no Estádio Mané Garrincha em Brasília, capital federal, na referida noite, muito embora seja praticamente impossível dissociar o músico Roger do cidadão artístico-político George (seu primeiro nome).
Sobre as famigeradas polêmicas políticas elevadas às alturas na semana passada, eu já me manifestei NESTE TEXTO, publiquei ESTE e ESTE e ainda no mês passado, à ocasião de seu septuagésimo quinto aniversário, escrevi um TEXTO que talvez possa esclarecer aos expectadores mais desavisados, o quão óbvio seria esperar tais manifestações políticas waterianas na atual turnê, nas passadas e em possíveis vindouras.
Esta é a quarta passagem de Roger Waters pelo Brasil para se apresentar em shows. O músico já estivera por aqui para divulgar a sua ópera “Ça Ira” e também para descansar na Bahia.
Desde cedo, as adjacências do Estádio Mané Garrincha, junto ao setor hoteleiro da capital do Distrito Federal já parecia uma sede do Pink Floyd, com miríades de circunstantes trajados com vestes da maior banda de rock progressivo do planeta e/ou do próprio artista a se apresentar naquela noite, passeando pelos hotéis e ruas, fomentando toda uma atmosfera floydiana.
Cai a noite e cinquenta mil fãs, com imensa expectativa, uns com ansiedades apicais por ser a primeira vez a ver tal produção e outros com a felicidade de poder rever seu ídolo e o que ele iria aprontar nesta noite, uma das oito pelo Brasil desta que parece ser a maior de suas turnês e, claro, sem dúvida a mais polêmica.
No interior do estádio via-se um grande palco armado com um telão enorme ainda apagado e uma estrutura promissora, já gerando as primeiras especulações do que viria por aí.
Próximo à 21 horas e 30 minutos, horário marcado para o show, surge a imagem de um homem de costas para um canal marítimo, solitário, sentado na areia, quando se houve os primeiros batimentos cardíacos prenunciando a canção de abertura, “Breathe“, uma novidade nesta turnê de Waters, que nas três anteriores abria com “In The Flesh”, primeira faixa do álbum ópera-rock “The Wall”.
Além de suas canções de álbuns solo, Waters geralmente alicerçava seus setlists em músicas deste álbum, sua grande-obra-prima com o Pink Floyd.
Curiosamente, a atual Us And Them Tour é a turnê com menos músicas de “The Wall” nos shows, somente “Another Brick in the Wall“, “Mother” e “Confortably Numb“, onde a primeira encerra o primeiro setlist do show e as duas últimas encerram os segundo e último.
Talvez isso se deva ao fato de “The Wall” ter sido o tema único de sua turnê de 2012.
Para garantir um início avasssalador, nada melhor que recorrer às pancadas progressivo-psicodélicas que se tornaram as marcas indissolúveis do Pink Floyd.
Após “Breathe“, a psicodelia prog explode a galera com a instrumental e mais antiga canção deste setlist, “One of These Days“, onde em várias turnês do Pink Floyd, Algie, o famoso mascote suíno muitas vezes surgira, mas na segunda canção ainda era precoce para tal.
O álbum “The Dark Side of The Moon” volta a irromper o ar do Estádio Mané Garrincha com os relógios de “Time” introduzindo a atemporal canção, enriquecida pela percussão de Joey Waronker à bateria, entregando para finalmente Roger Waters bradar o seu “Ticking Away…“, sendo gentilmente acompanhanhado por 50 mil vozes.
Em seguida veio um dos grandes momentos do show, a sempre aguardadíssima canção “The Great Gig in The Sky“, a única aqui não composta por Waters e sim do saudoso Rick Wright e que nesta turnê fora dupla e belissimamente entoada pelas backing vocals Jess Wolfe e Holly Laessig.
A psicodelia volta a pairar com os primeiros acordes dos violões de Gus Seyffert, Jonathan Wilson e Dave Kilminster para “Welcome to the Machine“, marcando assim a primeira aparição do álbum “Wish You Were Here” no concerto, contando ainda com os abrilhantados efeitos e teclados de Drew Erickson, Jon Carin e Bo Koster.
A fase política do show praticamente começa e ganha força no bloco de canções recentes, “Déjà Vu“, “The Last Refugee” e “Picture That“, que chegaram no álbum do ano passado, “Is This the Life We Really Want?“.
A primeira grande apoteose do show foi quando Waters tocou cantou a canção “Wish You Were Here“, onde a multidão fora à loucura, com as pessoas entoando com todas as forças em suas gargantas, momento em que Waters ficara dessa vez positivamente emocionado. De lá de sua morada espiritual lisérgica, Syd deve ter ouvido.
O primeiro bloco se encerrou com a popular “Another Brick in The Wall” fazendo todo o estádio se levantar e cantar junto com as crianças que se despiram das suas máscaras repressoras, cravando a mensagem: RESIST.
Após o intervalo de pouco mais de 15 minutos, com diversas frases de cunho reflexivo-político e com a famigerada imagem da lista dos nomes de estadistas neo-fascistas, com o nome do presidenciável brasileiro Jair Bolsonoaro sendo substituído por “Ponto de Vista censurado”, é chegada a hora de soar a sirene da fábrica e recomeçar os trabalhos.
Eis o que considerei o melhor momento deste espetáculo. De repente, chaminés se erguem por detrás do telão, que mostra as janelas da termelétrica londrina Battersea Power Station, formando a imagem perfeita de uma réplica da mesma, com o pequeno Algie flutuando sobre ela.
Pronto, sentimo-nos como estando em 1977 numa turnê do álbum floydiano “Animals“.
Então começa a execução de “Dogs“, com o guitarrista Dave Kilmister estraçalhando nos solos e a imagem do grande cão ameaçador rosnando ao telão.
Uma cena extraordinária inspirada no livro “A Revolução dos Bichos” é encenada duranta esta canção, com Waters surgindo com uma cabeça de porco e seus músicos bebendo champanhe com ele, quando este levanta as placas com os dizeres “Porcos Governam o Mundo” e “Fodam-se os Porcos”.
Sequenciando, a música “Pigs” abriu passagem para o festival de sátiras cítricas ao presidente norte-americano Donald Trump, a nova “Maggie” (Margareth Tacher) predileta de Roger Waters e para o surgimento do grande Algie inflável, com o dizer “SEJA HUMANO” pintado nas suas laterais.
Mesmo com outras canções de outros álbuns a seguir, o clima de “Animals” permanecera presente nas suas chaminés atrás do palco e na atmosfera jocoso-política que permearia todo o restante do espetáculo.
“Money”, hit absoluto do Pink Floyd troca a pilha da plateia e introduz ao público o saxofonista Ian Ritchie, que retorna na triunfal “Us And Them“, canção que tematizou a turnê.
O recente álbum solo volta à pauta com a canção e embalada canção “Smell the Roses” que entrega para a dobradinha “Brain Damage/Eclipse” fazer novamente O Lado Escuro da Lua ser contemplado com o grande prisma a laser ser acendido, emanando feixes coloridos, oitava maravilha.
Então chega o momento de Waters dizer algumas palavras emocionadas antes das duas músicas que encerrariam o concerto, “Mother” e “Comfortably Numb“.
O músico estava visivemente emocionado, certamente por receber tão calorosa recepção, após os constrangimentos dados em São Paulo. Waters agradeceu pela multidão cantar como nunca nesse show, principalmente nas músicas “Wish You Were Here” e “Another Brick in the Wall“, enfatizou a necessidade do espírito de união contra os “porcos”, os verdadeiros inimigos da humanidade e então começou “Mother” e seu aguardado verso “mãe, devo confiar no Governo?”, para imediatamente surgir a resposta “NEM FODENDO” no telão.
Fechando o concerto, “Comfortably Numb” fora lindamente executada por Waters e banda, entoada pelo público absorto e finalizada pelos solos ímpares dos guitarristas Dave Kilminster e Jonathan Wilson, enquanto no telão, duas mãos tentavam se entrelar, conseguindo sucesso ao seu final, simbolizando a busca e a conquista da união.
Durante os agradecimentos, vimos a imagem de uma criança chegar e abraçar o homem sentado à areia, aliviando sua solidão.
No fim, após gritos de #ELENÃO e #ELESIM , era visível nos rostos das pessoas que elas estavam refesteladas pelo que acabaram de contemplar e felizes por teresm estado ali, onde todos saíram ganhando.
Concluindo, Roger Waters provou mais uma vez que muito além de um cantor e instrumentista, é um gênio e artista completo com opiniões e posturas desde sempre incrustadas em sua arte.
Arte nas suas diversas formas de expressão, sempre esteve entrelaçada com todos os aspectos da vida da humanidade, como mostra a História.
Tracklist:
- 1. Speak to Me
- 2. Breathe
- 3. One of These Days
- 4. Time/Breathe (Reprise)
- 5. The Great Gig in the Sky
- 6. Welcome to the Machine
- 7. Déjà Vu
- 8. The Last Refugee
- 9. Picture That
- 10. Wish You Were Here
- 11. The Happiest Days of Our Lives/Another Brick in the Wall (Parts II & III)
- 12. Dogs
- 13. Pigs (Three Different Ones)
- 14. Money
- 15. Us and Them
- 16. Smell the Roses
- 17. Brain Damage
- 18. Eclipse
- 19. Mother
- 20. Comfortably Numb
4 comentários em “Review: Roger Waters – Brasília, 13 de outubro de 2018. Uma Noite inesquecível na capital federal”