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Arquivo Free Four: Discorrendo sobre o álbum "Phaedra" – Tangerine Dream

Eu e o Andre Floyd nos conhecemos no colegial, e por circunstâncias de tempo e espaço que
fogem à minha compreensão (abdução é um bom palpite), ambos fomos “mordidos” pelo rock
progressivo de forma isolada.

Assim, quando tornamos a nos encontrar, desta vez na faculdade de psicologia, tínhamos em
comum algo além do emblema do Colégio Dom Bosco estampado no lado esquerdo do peito e,
quero acreditar, algo que atua com intensidade sobre o órgão que ali se situa.

O rock progressivo é um clube muito especial, um subgênero em que o caráter esotérico e a
indiferença dos músicos pelos fãs são uma exigência estética cujo outro lado da moeda – a
autoridade com que os mesmos fãs desprezam os não iniciados no estilo – traz o devido
equilíbrio a essa relação aparentemente masoquista.

Quis o destino, porém, que seguíssemos caminhos diferentes novamente, e após seis meses
eu, obedientemente, abandonei o curso de psicologia.

Vinte anos depois (praticamente a duração de uma das faixas de “Tales from Topographíc
Oceans“), me deparo com um artigo sobre rock, assinado pelo Andre em sua própria coluna,
num site de noticias da capital.

Já era mais do que tempo.

Algo inicialmente indistinto, e que depois foi crescendo mais e mais à medida que se tornava
evidente, como um acorde de mellotron, nos reuniu uma terceira vez e virtualmente, desta
feita no indefectível Facebook (a maior rede ”de auto—afirmação” social do planeta, como
gosto de frisar).

Qual não foi então minha satisfação ao saber que, além de colunista, este dedicado amante
do rock (em todas as suas variações) possui um blog consagrado ao gênero, e também gostaria que eu contribuísse nele de alguma forma.

Achei a proposta interessante por conta do veículo, principalmente, que se encaixa
perfeitamente às minhas limitações de entusiasta sem conhecimentos especializados ou
traquejo literário.

Foi-me designada ”a parte empoeirada do blog” (essas foram as exatas palavras): bandas de
prog (diminutivo carinhoso de uso corrente entre os aceitos); folk; folk-prog e afins.
Delimitado o problema, matutei por algum tempo sobre o que falar especificamente, e me
propus o desafio de inaugurar meu espaço no blog lançando algumas impressões sobre um
álbum que pra mim foi exatamente isso: um verdadeiro desafio (e uma enorme recompensa,
igualmente).

A minha primeira audição de “Phaedra” (1974), do Tangerine Dream, foi burlesca…
Por puro capricho, um amigo insistia em desbancar a hegemonia de sotaque alemão que o
Kraftwerk havia conquistado em nosso grupo. Com muita disposição, e grana suficiente pra
nos fazer engolir à força suas convicções, ele levou, de uma só tacada, onze álbuns do
Tangerine Dream para a mesma audição.

Do episódio em questão tenho a declarar apenas que não me orgulho de ter sido tão infantil,
mas, em minha defesa, eu não fui o único, e comparar meu álbum do Renaissance (“Ashes are
Burning“) com Mariah Carey por puro despeito também não foi nada bonito.
De qualquer forma, estamos quites!

Tanta resistência talvez se justifique pelo fato de que o Tangerine Dream não faz música em
sentido convencional, o que, pelo menos no caso da música erudita, não é nenhuma novidade.
Já se vai quase um século desde que Igor Stravinsky assombrou o mundo com sua música não linear, provocando um tumulto de proporções policialescas no Théâtre des Champs-Élysées durante a execução de sua “Sagração da Primavera” (com coreograãa de Nijinsky para o corpo de balé russo).

Talvez Edgar Froese, guitarrista e líder do TD, se tenha dado conta — assim como o fez
Stravinsky em relação à música erudita — de que tudo o que havia para ser dito em termos de
música pop já o fora e, em sintonia com os ideais do movimento surrealista (cujo maior
expoente na pintura era Salvador Dalí, mentor de Froese), de conceber ”um homem novo em uma sociedade nova“, buscou subverter os padrões estabelecidos pelo contato com o subconsciente.
De qualquer forma, o resultado é a desconstrução sistemática da melodia, que apela aos “arquétipos” herdados do inconsciente coletivo (o uso de bordões psicanalíticos aqui não é pura esnobice), de maneira que os fragmentos musicais formam imagens até mais “tridimensionais” do que nos permitiria a audição de uma composição convencional.

Esse é o grande feito de Froese em minha opinião: desenvolver um tipo de música em que a inserção de cada efeito sonoro (inclusive dos silêncios), por arbitrária que possa soar à razão, seja capaz de induzir a criação de cenários comoventes e proporcionar uma experiência plena.

Segundo dados do livro “1001 discos para ouvir antes de morrer“, o TD é considerado essencial para a música eletrônica e precursor do trance, techno e da dance music (ninguém é perfeito).
Alguns qualificam o próprio som da banda como música eletrônica, o que me soa meio como o equivalente a juntar Beatles e Floyd no mesmo balaio e rotulá-los de “música elétrica” por conta dos amplificadores.

Cada classificação serve a um propósito, e nenhuma é perfeita.

Acredito que o critério utilizado, no caso, foi escolhido em função do processo de produção musical da banda, em que os sons orquestrados são executados por sintetizadores, artifício inaugurado pela Graham Band Organisation e consagrado pelos Zombies já na metade dos anos 60, como alternativa para a contratação de músicos e instrumentos eruditos durante as gravações.

Não me atrevo a arriscar um palpite em terreno tão traiçoeiro, e certamente jamais o faria com a intenção de atirar mais uma banda inocente na vala comum do rock progressivo, essa espécie de zona cinzenta, que uma grande maioria confunde com massa cinzenta na hora de rotular algo que se afaste minimamente daquilo que rola no Mainstream musical (mais uma vez reafirmo que sou fã de rock progressivo, somente não concordo com esse tipo de “nivelação”, pra cima ou pra baixo).

Os comentários aqui expostos fazem referência à fase mais madura da banda, em especial ao álbum que é considerado a obra-prima desse período e de toda a carreira do TD, o “Phaedra“.
O Tangerine Dream foi formado em Berlim, em 1967, em meio ao movimento denominado Krautrock – nascido da contracultura alemã – de onde surgiram outras bandas igualmente relevantes como o Can, e até mais notórias, como o próprio Kraftwerk.

A maior ironia no uso do termo Krautrock talvez não seja a de comparar seus músicos a couves-flores (kraut) em função do país de origem, mas o de situar seus representantes à margem do estilo, como alguma experiência paralela, quando de fato o movimento trouxe novo e essencial fôlego ao ritmo americano, influenciando as mais variadas tendências, desde o pós-punk até os maiores ícones do gênero, como Brian Eno, David Bowie e bandas como Joy Division, entre outros….
Mas isso é assunto pra outra oportunidade!

Arquivo Free Four: Discorrendo sobre o álbum "Phaedra" - Tangerine Dream

Pelo confrade Renato Azambuja. Postado originalmente em 31/01/2012 no finado blog Free Four, que dera origem à Confraria Floydstock.

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