O Rush nascera em 1974. no seu primeiro álbum, auto-intitulado e foi crescendo agradável e “assustadoramente” com o passar de seus álbuns.
Em 1978, o power-trio canadense mais famoso da música chegava no sexto álbum de estúdio, ao seu projeto mais audacioso, fechando uma quadra mágica de álbuns com crescente busca pelo experimentalismo progressivo, sofisticação e alongamento de seus elementos musicais.
A coisa começara nesse sentido com o controverso e até meio injustiçado “Caress of Steel” (1975), que trazia canções cada vez mais longas e incrementadas elementalmente como “The Necromancer” e “The Fountain of Lamneth“, passou pelo numérico e emblemático álbum “2112“(1976), cuja faixa-título era um lado inteiro do LP, “A Farewell to Kings“(1977), trazendo a elaborada “Xanadu“, chegando finalmente ao soberbo (no bom sentido) “Hemispheres“.
Mesmo sendo precedido por álbuns que também continham músicas enormes, inclusive também ocupando lados inteiros dos LPs, a própria banda admitiu que “Hemisperes” já estariam passando dos limites nesse aspecto pretensioso, tanto que no álbum seguinte resolveram partir para outra direção, literalmente enxugando a “máquina”, ou melhor, as canções, começando isso já no álbum seguinte, “Permanent Waves” (1980). O guitarrista Alex Lifeson pareceu ser o membro mais desconfortável à época com o avolumamento dos álbuns, especialmente em “Hemisperes“.
Todo o supracitado serve apenas para contextualizar, jamais para tirar 1% sequer do mérito deste grande álbum do Rush, calcado basicamente nos trabalhos de pesquisa sobre mitologia grega (envolvendo a lenda da constelação de Cisne (Cygnus), o mito de Dionísio e o deus Apolo), do baterista Neil Peart, que escrevera todas as letras e ficava cada vez melhor neste ofício.
Tudo isso vem muito bem trabalhado na canção imensa de dezoito minutos, “Cygnus X-1 Book II Hemispheres“, subdividida em em seis partes que discorrem sobre os temas ditos acima, musicalmente desenvolvida a partir de inspirados riffs de Alex Lifeson, ritmados minunciosamente por Peart, com o inalcançável baixista e tecladista Geddy Lee, orquestrando, cantando e completando a cozinha de luxo.
“Cygnus X-1 Book II Hemispheres” se encerra com um pequeno fragmento belíssimo, a subdivisão “The Sphere: A Kind of Dream“, basicamente voz e violão, num diminuto tempo de um minuto, com uma pequenina, mas lindíssima letra, claro, escrita por Neil Peart.
“We can walk our road together
If our goals are all the same.
We can run alone and free
If we pursue a different aim.
Let the truth of love be lighted,
Let the love of truth shine clear.
Sensibility, armed with sense and liberty,
With the Heart and Mind united in a single perfect Sphere.“
“Nós podemos andar juntos
se nossos objetivos forem os mesmos.
Nós podemos correr sozinhos e livres
Se perseguirmos um objetivo diferente.
Deixe a verdade do amor ser iluminada
Deixe o amor da verdade brilhar claramente.
Sensibilidade, armada de sentido e liberdade,
com o coração e a mente unidos em uma única esfera perfeita.“
O lado B (do LP) se inicia com a pedrada seca e direta “Circumstances“, puro rock and roll, originada do riff eruptivo do guitarrista Alex Lifeson e abrilhantada pelo canto visceral de Geddy Lee.
Em seguida, “The Trees” nos conta uma interessante fábula, onde na floresta as árvores maiores (Carvalhos) monopolizam os raios-do-Sol “egoistica e opressivamente” em detrimento de plantas menores como as zelhas, que completamente sombreadas e ofuscadas nada recebem. A música é ótima, mas “The Trees” é o tipo da canção que a experiência fica muito mais agradável quando se sabe e se atenta sobre o que ela conta.
Fechando o trabalho, a divina e instrumental “La Villa Strangiato (An Exercise In Self-Indulgence)” é aquela ode ao progressivo repleta de, digamos, “fan services”, um verdadeiro deleite para quem curte ouvir a música como um todo ou saboreá-la tentando atentar às partes instrumentais em separado, baixo, bateria, guitarra e teclas, com Lee, Lifeson e Peart destilando habilidades ímpares sem nenhum pudor e medo de serem felizes, fazendo sobretudo, o ouvinte mais feliz.
Concluindo, “Hemispheres” fechara uma época de ouro de uma banda que ainda teria uma trajetória ainda mais dourada pela frente.
Tracklist:
“Cygnus X-1 Book II Hemispheres” – 18:05
I. “Preludio” – 4:27
II. “Apollo: Bringer of Wisdom” – 2:36
III. “Dionysus: Bringer of Love” – 2:00
IV. “Armageddon: The Battle of Heart and Mind” – 2:55
V. “Cygnus: Bringer of Balance” – 5:01
VI. “The Sphere: A Kind of Dream” – 1:02
“Circumstances” – 3:41
“The Trees” – 4:46
“La Villa Strangiato (An Exercise In Self-Indulgence)” – 9:36
I. “Buenos Nochas, Mein Froinds!” – 0:27
II. “To sleep, perchance to dream…” – 1:33
III. “Strangiato Theme” – 2:16
IV. “A Lerxst in Wonderland” – 2:27
V. “Monsters!” – 0:26
VI. “The Ghost of the Aragon” – 0:36
VII. “Danforth and Pape” – 1:41
VIII. “The Waltz of the Shreves” – 0:26
IX. “Never turn your back on a Monster!” – 0:11
X. “Monsters!” (Reprise) – 0:14
XI. “Strangiato Theme” (Reprise) – 1:04
XII. “A Farewell to Things” – 0:15
Lee e Lifeson, exceto “La Villa Strangiato” (Lee, Lifeson e Peart)
Letras: Neil Peart
A Banda:
Geddy Lee – Baixo, Mini Moog, sintetizador polifônico Oberheim, pedais Taurus, vocais
Alex Lifeson – Guitarras e violões de 6 e 12 cordas, violão de nylon, guitarra sintetizadora Roland, pedais Taurus
Neil Peart – Bateria, sinos de orquestra, sinos, tímpanos, gongo, cow-bells, blocks, carrilhão, crótalos

