Como muitas bandas de sua geração, os Titãs começaram a carreira no típico “iê, iê, iê” da primeira metade dos anos 80, com canções como “Sonífera Ilha“, “Toda Cor“, “Insensível”, “Babi Índio“, etc.
Também, como ocorrera com boa parte das bandas do rock nacional daquela época, na segunda metade da referida década, as sonoridades e temas começaram a ficar mais elaborados, inclusive com sensível melhora nas qualidades das produções dos álbuns.
No caso dos Titãs, tal evolução se evidenciou nos álbuns “Cabeça Dinossauro” (1986) e “Jesus não Tem Dentes no País dos Banguelas” e ainda no ao vivo em Montreux, “Go Back” (1988), quando a banda se internacionalizou.
De repente viu-se que os Titãs não faziam apenas musiquinhas despretensiosas para animar as festinhas, mas sim eram capazes de oferecer ideias mais complexas em seus álbuns e canções, delas podendo ser retirados conceitos inteiros a respeito de política, cotidiano e vida social em geral.
Agora até os pais de nós, então adolescentes naquele tempo, diziam: “olha, o som pra mim é meio estranho, mas esses caras têm conteúdo, são umas cabeças“.
E 1989 provou isso com “Õ Blésq Blom“, o antecessor pop-MPB-intelectualizado do álbum que abordarei a seguir.
Dado todo o contexto supracitado, os Titãs já se situavam num status consideravelmente consolidado dentro da cena musica brasileira, algo como ter tranquilidade e carta branca junto à gravadora, no caso a Warner, para criar á vontade, sem se ater às formas pasteurizadas radiofônicas.
E assim, de um período de “idílio óctuplo”, numa casa alugada e recôndita transformada em estúdio, nascia o álbum “Tudo ao Mesmo Tempo Agora“, lançado em 23 de setembro de 1991, o primeiro em que literal e homogeneamente a banda desceu o braço e soltou a língua em canções com riffs e solos rasgados e letras ainda mais.
Em “Tudo ao Mesmo Tempo Agora” os Titãs abriam caminho para tornar seu som cada vez mais pesado, o que se completaria no álbum seguinte, “Titanomaquia” (1993).
O disco faz o ouvinte vibrar e trepidar com toda a sua influência punk-hard (e até metal), com os guitarristas Tony Belotto e o saudoso Marcelo Fromer não economizando nos pedais e distorções.
As letras aqui se libertam por completo de qualquer censura moral e dos bons costumes e irrompem a barreira da caretice radiofônica, com textos ácidos e pesados, flertando com o escatológico (por vezes até imergindo nele).
Mas o melhor de tudo é que ainda que o som e as letras soassem sujos, a marca Titãs nas canções continuava indelével, com os muy sagazes jogos de palavras e versos, que vão desde às obviedades que de tão óbvias precisam ser ditas.
Como “Se você está aqui” é por que veio… está atrás de alguma coisa… se você não quer nada, por que não vai embora?“
Também as paradoxais como “Filantrópico”, samaritano, tão humano, acumulando raiva e rancor” e “Eu não Sei Fazer Música” (mas eu faço), ambas com o vocal rasgado de Branco Mello.
As filosófico-concretistas, como “O Fácil é o Certo” (extraída de um provérbio chinês milenar), “Já”, com toda a beleza da construção poética de Arnaldo Antunes, “Agora“, com Paulo Miklos em tom profético-angustiado e “Não é Por Não Falar”, com Sergio Britto dizendo tudo em tão pouco.
As chamadas letras “muito doidas” da banda, que ainda que não pareçam, têm algum sentido (é só se ater para achá-los), como em “Eu vezes eu“, “Obrigado” e “Uma Coisa de Cada vez” (ou poderia se uma coisa de cada Arnaldo…), que brinca com as palavras da ideia e título do álbum.
E claro, as já citadas erótico-escatológicas, pontos altíssimos desta obra: “Clitóris“, com mais uma vez Paulo Miklos e o seu tom profético, mas agora numa espécie de oração e/ou louvação sacro-profana, a jocosa “Flat – Cemitério – Apartamento“, o hino à escatologia “Isso para Mim É Perfume“, com show de interpretação de Nando Reis, preparando, levantando e cortando para que ao virarmos o disco nos deparemos com a primeira faixa do lado B, “Saia de Mim“, onde Arnaldo Antunes expurga aos berros todo o politicamente correto e toda merda estagnada em cada um de nós.
Assim, Arnaldo Antunes se despedia dos estúdios com seus colegas. Posteriormente sairia com eles na que seria sua última turnê com os Titãs. E deixou a banda em 1992
Concluindo, em “Tudo ao Mesmo Tempo Agora” você não encontrará nenhum dos hits mais conhecidos da carreira dos Titãs, mas terá aos seus ouvidos um dos álbuns mais coesos e divertidamente pesado, feito num tempo de um Brasil com baixíssima auto-estima, economia caótica, com poupanças confiscadas e um presidente Mauricinho. Sim, era preciso irromper e ousar, e os Titãs o fizeram. E fizeram bem feito.
Assista no player abaixo ao documentário sobre este álbum:
Tracklist:
- “Clitóris” – 3:46
- “O Fácil é o Certo” – 2:05
- “Filantrópico” – 2:29
- “Cabeça” – 2:06
- “Já” – 2:14
- “Eu Vezes Eu” – 2:52
- “Isso para Mim é Perfume” – 3:19
- “Saia de Mim” – 3:15
- “Flat-Cemitério-Apartamento” – 1:30
- “Agora” – 2:30
- “Não é por Não Falar” – 2:30
- “Obrigado” – 1:08
- “Se Você Está Aqui” – 2:52
- “Eu Não Sei Fazer Música” – 2:47
- “Uma Coisa de Cada Vez” – 3:15
A Banda:
Arnaldo Antunes: vocal
- Branco Mello: vocal
- Charles Gavin: bateria e percussão
- Marcelo Fromer: guitarra
- Nando Reis: baixo e vocal
- Paulo Miklos: teclado e vocal
- Sérgio Britto: teclado e vocal
- Tony Bellotto: guitarra