Naquela época o Floyd passava por um processo de “ressurreição”. Embora isso de fato se deu no álbum anterior, “Momentary Lapse Of Reason“, de 1987, quando David Gilmour convocou Nick Mason e Richard Wright para o retorno às atividades após o “corte final” dado por Roger Waters no seu quase álbum solo, “The Final Cut“.
No âmbito floydiano pós-Barrett, a dupla Waters/Gilmour centralizou toda a essencia verbo-musical do grupo (até Waters ir ficando cada vez mais dominador), em “Division Bell“, o fã pode redescobrir uma nova dupla de comando: Gilmour/Wright, Wright que volta aos vocais e finalmente retorna às composições.
Em praticamente metade do álbum, Polly Samsom, a Sra. Gilmour, assinou as letras, o produtor Bob Ezrin e o saxofonista Dick Parry, profissionais afins ao Floyd desde à década de 70, favoreciam o tom nostalgico da obra.
Nostalgia. Palavra interessante em se tratando do álbum mais recente de vinte anos atrás de uma banda que está chegando nos cinquenta.
Mas é aí que quero chegar. “The Division Bell” me fez matar saudade do velho Pink Floyd em 1994 e o retorno dele às manchetes devido ao boxset o faz novamente.
Um álbum em que a inicial e deslumbrante instrumental “Cluster One“, ilustra totalmente o que supra citei: a nova dupla Gilmour /Wright nos lemes da banda, teclado e guitarra deslizando durante a canção, inciando a viagem atemporal, tendo como foz a “embluesada” “What Do You Want from Me” que nos tira do transe inicial e crava na nossa mente: o Pink Floyd é foda.
“Marooned“, a quarta música do álbum, poderia perfeitamente levar o nome da banda, assim como outras bandas tem músicas com seu nome. Se a música “Black Sabbath” praticamente sintetiza o que é a essência sabática da banda, “Marooned” assim o faz no Pink Floyd, melodia enebriante, um mergulho no rock progressivo, transcendendo o tempo. O pedal que Gilmour usou no solo, simulando o canto das baleias em alto mar é uma das coisas mais belas que já se fez na música. Merecidamente a música ganhou um clipe que integrará esse novo boxset.
A temática da ruptura e necessidade de comunicação coloca a obra no rumo certo. Além da própria banda ter vindo de conflitos com Roger Waters, o cenário pós queda do muro de Berlin, conflitos eslavos, Guerra Fria e, evidentemente, as divergências internas do parlamento britânico, que inspirou inclusive a capa, com as esculturas simbolizando os sinos da divisão do parlamento. O Pink Floyd há muitos anos era uma banda com antenas politizadas, e aqui não foi diferente.
A nona música, “Keep Talking“, trouxe algo tocante: a voz sintetizada do gênio da astrofísica, o Professor Stephen Hawking, que sofre de esclerose lateral amiotrófica, servindo de refrão, numa mensagem que fora utilizada num comercial de empresa telefônica inglesa, nessa música, essas palavras eram propícias, perfeito.
“For millions of years, mankind lived just like the animals. Then something happened which unleashed the power of our imagination. We learned to talk. And we learned to listen. Speech has allowed the communication of ideas, enabling human beings to work together. To build the impossible. Mankind’s greatest achievements have come about by talking. And it’s greatest failures by NOT talking. It doesn’t have to be like this! Our greatest hopes could become reality in the future. With the technology at our disposal, the possibilities are unbounded. All we need to do is make sure we keep talking.”
Tradução:
“Por milhões de anos, a humanidade viveu como os animais. Então aconteceu algo que desencadeou o poder da nossa imaginação. Nós aprendemos a falar. E nós aprendemos a ouvir. A fala tem permitido a comunicação de idéias, permitindo aos seres humanos trabalhar em conjunto. Para construir o impossível. As maiores conquistas da humanidade surgiram em decorrência da fala. E os maiores fracassos pela falta dela. Não precisa ser desta forma! Nossas maiores esperanças poderiam se tornar realidade no futuro. Com a tecnologia à nossa disposição, as possibilidades são ilimitadas. Tudo o que precisamos fazer é garantir que continuemos conversando.”
Para encerrar o trabalho magistralmente, a última “High Hopes” dá a mensagem do álbum no título e na melodia, uma das melhores músicas do Pink Floyd, tanto em letra como em som, passou a ser executada em todos os shows da banda e posteriormente nas apresentações solo de David Gilmour, com aquele solo grande e “divagador” finaliza a música e aqui também o disco.
Lembro que na época do lançamento no Brasil, a extinta TV Manchete passava um comercial desse álbum e o slogan era: “O tempo vai parar quando você ouvir The Division Bell“.
Felizmente o tempo parou mesmo por diversas vezes para mim e creio que para os outros fãs do grupo, e hoje vinte e tantos anos depois, é bom sentir o ar “Division Bell” pairando novamente na atmosfera floydiana.
Tracklist:
01. Cluster One
02. What Do You Want from Me
03. Poles Apart
04. Marooned
05. Great Day for Freedom
06. Wearing the Inside Out
07. Take It Back
08. Coming Back to Life
09. Keep Talking
10. Lost for Words
11. High Hopes
A banda:
David Gilmour – guitarras, voz, baixo, teclas e programação
Nick Mason – bateria e percussão
Richard Wright – teclas e voz
Musicos convidados:
Jon Carin – teclas adicionais
Guy Pratt – baixo
Gary Wallis – percussão
Tim Renwick – guitarras
Dick Parry – saxofone tenor
Bob Ezrin – teclas e percussão
Sam Brown – backing vocals
Durga McBroom – backing vocals
Carol Kenyon – backing vocals
Jackie Sheridan – backing vocals
Rebecca Leigh-White – backing vocals
Professor Stephen Hawking – voz digital em “Keep Talking”
Michael Kamen – arranjo orquestral