Pelo confrade Renato Azambuja.

Até aqui, ao menos para nós, fãs, aficionados, entusiastas, seja o que for, do ritmo americano, essa foi a pior e a menos sentida notícia, desse inacreditável encadeamento de tragédias inaugurado em novembro de 2019.

Morreu Litte Richard, o arquiteto do Rock and Roll

Explico.

Apesar de admirável musicalmente, jamais saberemos o que foi o rock’n’roll em termos de empatia.
Os pais fundadores do rock são figuras do seu Antigo Testamento. Grandes demais, sofridas demais, intangíveis. Figuras que rendiam graças a um deus temível, vingativo e traiçoeiro, que ao tempo em que lhes concedeu um enorme talento tomou-lhes todo o resto.

Foi só a partir destes profetas, e seus mandamentos transmitidos via sinal de rádio a navios ancorados em alto-mar inglês, que passamos a nos identificar com garotos como nós, brancos em sua maioria, vindos de famílias da classe média trabalhadora, trazendo o evangelho de um deus então benevolente e generoso.

Antes da nova aliança, numa aposta com Lúcifer, o antigo deus do rock sacrificou seus mais fiéis seguidores. Chuck Berry foi preso, Jerry Lee Lewis boicotado, Buddy Holly morto num acidente aéreo e Little Richard, incorporando a ironia, tornou-se pastor.

Muitas notícias ruins ainda virão, sabemos disso. Mas é importante entendermos a importância de rendermos luto a esse dia em especial, pois por algum motivo misterioso parece que aquele antigo deus furioso está de volta. Ou ao menos seus métodos.

Richard Penniman, que de Little não tinha nada, parece talvez nos dizer com sua morte que, como os demais de sua geração, estamos a voar alto demais.
Talvez seja tempo de baixar nosso topete brilhantinado, abandonar os palcos e buscar nossa harmonia interior.

Sem nos esquecermos das grandes conquistas. Little Richard uniu brancos e negros numa só plateia, tornando pejorativo o rótulo de Race Music.

Que esse dia nunca seja esquecido.

Obrigado, Grande Richard!