Em 8 de novembro de 1968, o divórcio de John e Cynthia Lennon tornou-se oficial. Foi o fim de um romance tumultuado que incluiu namoro, casamento, parto e infidelidade – tudo sob a crescente sombra da Beatlemania.
Lennon conheceu Cynthia Powell em 1958, enquanto ambos frequentavam o Liverpool College of Art.
“Ele era um verdadeiro babaca, um verdadeiro Teddy Boy. Ele parecia que iria socá-lo assim que olhasse para você”, lembrou Cynthia durante uma entrevista com o jornalista Alex Belfield. “Ele acabou na minha aula de caligrafia e ele não queria estar lá.“
Mesmo que inicialmente tenha descartado Lennon como algum tipo de rebelde problemático, Powell foi conquistada por seu talento musical.
“Todos os outros saíram para almoçar e eu estava tentando juntar minhas canetas“, ela relembrou sobre um dos seus dias de escola. “Ele sentou e tocou ‘Ain’t She Sweet’, e eu olhei para ele e pensei: ‘Isso é para mim’.“
Os dois começaram a namorar. Mesmo nos primeiros dias, havia sinais de alerta. Lennon tinha um temperamento notório, uma característica que muitos atribuíam a um relacionamento distante com o pai. Durante uma discussão em particular, na faculdade, Lennon atingiu Powell no rosto. Ela o dispensou imediatamente, mas três meses depois eles voltaram.
“Ele estava desesperadamente triste“, lembrou Powell. “Foi apenas um instante e ele não conseguiu evitar. Ele não fez isso de novo, e eu não estaria com ele se ele tivesse feito. Foi a primeira e última vez que ele levantou um dedo para mim.“
Durante uma entrevista de 1981 com a Playboy, Lennon admitiu sua natureza abusiva.
“Eu costumava ser cruel com minha mulher, e fisicamente – qualquer mulher”, ele disse. “Eu era um agressor. Eu não conseguia me expressar e batia. Eu brigava com homens e batia nas mulheres.“
Enquanto Lennon e Powell estavam trabalhando nos altos e baixos de seu romance, outro relacionamento estava crescendo: a banda de Lennon, os Quarrymen, havia construído uma base de fãs leais. Paul McCartney e George Harrison já estavam no grupo. Uma residência em Hamburgo, na Alemanha, foi arranjada. As sementes dos Beatles estavam no lugar.
Em 1962, a banda demitiu o baterista Pete Best e substituiu-o por Ringo Starr. Mais tarde naquele ano, Powell também trouxe novidades: ela estava grávida. Lennon decidiu que eles deveriam se casar, uma ocasião que aconteceria em 23 de agosto daquele ano. Todos os Beatles estavam presentes, com o empresário Brian Epstein como padrinho.
“Foi um casamento bizarro em comparação com qualquer outro“, disse Powell mais tarde. “Não havia fotógrafo. Nós nem temos uma foto do dia, e o sujeito que nos casou parecia estar fazendo um funeral, não um casamento.”
Nessa época, a Beatlemania estava apenas começando a varrer o Reino Unido. Preocupado com o fato de que ter um Beatle casado poderia afastar alguns dos fãs da banda, Epstein encorajou os Lennons a manter seu relacionamento longe dos holofotes. Cynthia tornou-se um segredo.
“Se o principal homem no grupo, John, fosse flagrado na situação de homem casado, isso poderia minar esse sucesso em particular“, disse ela à NPR em 1985.
“Então eu andei grávida por um bom tempo, disfarçando. “Eu usava roupas muito grandes e folgadas. Na verdade, muitas vezes me perguntaram se eu era a esposa de John, e tive que negar e dizer: ‘Não, não. Sou outra pessoa‘”.
Julian Lennon nasceu em 8 de abril de 1963. Seu pai estava em turnê na época e não conheceu seu filho até três dias depois. As exigências de ser um Beatle já estavam pesando em Lennon.
“Víamos muito pouco dele“, disse Cynthia. “E quando ele voltava para casa, estava tão exausto, tão cansado e tão sobrecarregado pelas pressões do mundo exterior que tudo o que ele queria era desmoronar.“

Cynthia acompanhou a banda em sua primeira turnê nos Estados Unidos em fevereiro de 1964. Em Nova York, ela testemunhou em primeira mão como a Beatlemania se tornara opressiva.
“Fomos cercados por policiais montados em uma ocasião, escoltas de motocicleta em outra ocasião, tentando escapar dos hotéis“, lembrou ela. “Foi muito horrendo, tirando as performances reais, que foram fantásticas. O resto foi horrível, porque você não podia ver além da prisão em que estava naquele momento em particular.“
Ela também logo soube das tentações disponíveis para a banda, quando seguiu os Beatles para uma suíte de hotel para uma de suas entrevistas de rádio.
“Na sala, havia uma coleção de todas essas garotas lindas e drapeadas“, lembrou ela. “Eu percebi então como seria, você sabe, no futuro. Quero dizer, obviamente, era assim que seria, apenas as mulheres se jogando para eles o tempo todo.“!
Enquanto ela suspeitava da infidelidade de John ao longo dos anos, Cynthia ignorou as fofocas sobre casos amorosos.
“Eu era tão ingênua e preferi ficar assim“, ela disse. “O que você não sabe, não o preocupa, mas nos anos seguintes você lia a respeito do que eles estavam fazendo“.
Seus problemas matrimoniais chegaram a um ponto de ebulição em fevereiro de 1968, quando Lennon confessou, embriagado, dormir com outras mulheres.
Cynthia decidiu tirar férias. Ela voltou para encontrar o marido sentado em frente a Yoko Ono no chão.
“Ela estava com John naquela noite e eu cheguei em casa e lá estavam eles”, Cynthia lembrou mais tarde. Aquele momento “representou o fim do nosso casamento, na verdade, até onde todos nós nos recordamos.“
O uso de drogas de Lennon também estava cobrando seu preço.
“Através do ácido – LSD – sua visão não incluía o que ele tinha, que éramos nós“, disse Cynthia sobre os efeitos das drogas em sua vida familiar. “Ele estava em um espaço onde não sabia que tipo de espaço era.“
Embora Ono e, em menor escala, as drogas, sejam comumente citadas como razões para o rompimento do casal, uma carta descoberta de 1976 parece indicar que o casamento estava condenado, independentemente disso. Escrita pelo Beatle e enviada para sua ex-esposa, John escreveu para Cynthia:
“Como você e eu bem sabemos, nosso casamento acabou muito antes do advento do LSD ou Yoko Ono…e essa é a realidade!”
O divórcio foi resolvido fora do tribunal, com John concordando em dar uma quantia inicial a Cynthia, um pequeno pagamento anual e a custódia de Julian. Embora o rompimento tenha sido complicado, inspirou uma das músicas mais reconhecidas dos Beatles. McCartney escreveu o clássico “Hey Jude” para ajudar Julian a lidar com a separação de seus pais. Sem o divórcio, é possível que a música nunca tivesse sido escrita.
Tradução do confrade Renato Azambuja – Via UCR