Fred Le Blue lança o filme “Anjos Choram na Terra Sagrada de Andre Matos” sobre mentor do Viper, Angra e Shaman
No dia 08 de junho será lançado o filme “Anjos Choram na Terra Sagrada de Andre Matos”, no canal https://www.youtube.com/@arteteturaehumanismo, um documentário autoral sobre a vida e obra do maestro e metaleiro Andre Matos, o vocalista brasileiro noventista mais cultuado na cena musical internacional do rock. O filme é uma produção do compositor, cantor e baterista Fred Le Blue, que dirigiu clipes do projeto COMVERSOM de versões de clássicos do rock em português, como “Silent Man” do Dream Theather e “Wild Horse” do Rolling Stones e, mais recentemente, o filme “O Processo de Metamorfose de Geraldo V.” sobre Geraldo Vandré.

Este novo documentário sobre Matos é oriundo de um trabalho de pesquisa do arquivo público sobre o artista na internet, é um tributo ao mais de 30 anos de trajetória do artista, que se acostumou em sua carreira com altos e baixos, talvez, em função capacidade vocal elástica, capaz de atingir os mais altos agudos da voz masculina. Dia 08 de junho de 2019, completou seu ciclo terrestre, um dos cantores mais lendários e maestrais da história do Rock e do Metal. Apesar de ter vivido somente 47 anos, o maestro paulistano deixou como legado a criação de 3 das mais importantes bandas brasileiras de sucesso internacional: Viper, Angra e Shaman. Em ambas, atuou mais do que como músico, mas também, como líder de geração, influenciando ouvintes e muitos musicistas por sua polinização de estilos populares com eruditos e rockeiros.
Partindo da background do heavy metal melódico alemão, Andre foi responsável por experimentos sonoros desse gênero com a música clássica (medieval, gregoriana, renascentista, romântica e barroca), celta, afrobrasileira, indígena e indiana. No disco “Holy Land” de 1996, que cria uma cartografia íntima sobre a descoberta da terra sagrada dos índios de Pindorama, besuntado de referências como samba e capoeira, ainda com Angra, e “Ritual” de 2002, com Shaman, onde o xamanismo mexicano revelado ao grande público pela obra antropológica do brasileiro Carlos Castaneda, influencia um esforço de alteridade cultural, a partir do contato com diversos rituais religiosos de diversas culturas, para extrair o arquetípico-universal presente em todo o espectro da vida humana em diferentes paragens da Terra.
Avesso ao culto consumista e fetichista de personalidade, Andre Matos costumava interromper sua participação nos grupos cocriados para se lançar em um voo mágico rumo à novos projetos em ciclos de eternos retornos, mesmo que isso gerasse muita repercussão midiática negativa, em função do apego dos fãs, ou melhor, clãs, fiéis aos seus totens modernos. Por as bandas de metal funcionarem como estabilizadoresmítico-identitários, criadores de pertencimento tribal, os laços de lealdade eterna com o público parecem advir mesmo do fato das músicas forjarem um caráter ritualístico muito acentuado, sobretudo, na catarse coletiva catalisada nos shows, com muitas referências poéticas à elementos narrativos das mitologias clássicas da Velha Europa.

Talvez, por isso, mesmo, o idealismo ocidental que prega, desde a Grécia antiga, a dissociação da alma do corpo, este último, sendo considerado desprezível, motivo que o faz merecer ser escravo daquele, talvez, tenha sido o único obstáculo psicológico que André não tenha conseguido superar, haja vista que sua morte precoce por infarto, parece estar ligada ao fato de ele ser hipocondríaco, insone e sedentário. O que não é recomendável, em função, de ser uma rotina extenuante a de shows de longa duração por um músico de alta performance de metal, já em idade madura, onde o intérprete tem que primar pela excelência técnica, vez que a maioria dos ouvintes são músicos exigentes e ávidos por acrobacias musicais. E além disso, diletantes críticos de arte, sempre a fazer comparações ácidas entre vocalistas da cena, principalmente, quando, esses fazem parte da história de um mesmo longevo grupo, o que no metal, costuma ser a regra, talvez, porque as letras e imagens sonoras parecem se escorar em um passado ancestral, que empresta uma aparência de secularidade para as bandas.
A constante competição e eterna comparação de Angra com Shaman, que foram contempladas com 2 bandas de nível excepcional, apesar das constantes lavações de roupa suja em programas de rádios e mídias digitais também, estimulou a produção de discos memoráveis do Angra, mas, sobretudo, do Shaman, que em 2002, aprofundou no disco “Ritual”, a experiência de interculturalidade de “Holy Land”. A formação original da banda duraria somente até 2013, obrigando Andre a investir em seus discos solos e nas turnês comemorativas dos 20 anos dos dois primeiros discos com o Viper e os dois, com o Angra. Um exemplo do campo minando entre os 2 líderes se deu em 2016, quando, tanto André como a Rafael, comemorava os 20 anos do disco “Holy Land”, cada um com suas respectivas bandas.
A banda Angra, cada vez mais globalizada e empresarial, acabou perdendo um pouco da sua aura no Brasil, na esteira do caminho de alta reprodutibilidade e considerável desnacionalização do Sepultura –, apesar de que o paulistano Andreas Kisser, ao contrário de Rafael Bittencourt, atual membro-proprietário da marca e único remanescente da formação original do grupo, nem se quer foi um dos pioneiros da ex-banda mineira, formada pelos irmãos Cavalera, que eram vizinhos da família Borges (Clube da Esquina) no Bairro de Santa Teresa em BH. Percebendo esse vácuo de representatividade interna, mesmo que, extraoficialmente, o novo ex-vocalista Edu Falashi -, que saiu em 2012, após o fiasco da apresentação do grupo no Rock n’ Rio -, passou a fazer turnês e discos com o repertório da sua fase do Angra e da fase andreeniana, o que gerou muitos ruídos de comunicação sobre direitos autorais de músicas e shows não ou mal pagos.
Com o papel de dono da bola, Bittencourt tem sofrido um desgaste de sua imagem, amiúde, sendo estigmatizado negativamente pelos fãs mais passionais, como carrasco proferidor de anátemas em nome dos dogmas da Igreja Universal do “Templo das Sombras”. Em algumas falas públicas sobre defeitos comportamentais de ex-membros, transparece mais seu lado CEO da Faria Lima (“logomarca”; “merchandising”; “marketing”, “cliente”…), do que o de grande guitarrista rockstar do AngrA, que é muito mais que esse logotipo simétrico de 5 letras, iniciado e terminado pela letra “A”. O anagrama capitalista, latente no nome an-GRA, talvez, revele o porquê ocultista do idealista romântico Andre ter sentenciado que a banda deveria acabar, após as recorrentes mudanças de vocalistas e membros.
Por outro lado, em um país em que os grupos musicais autorais de Rock costumam ter data de validade, é louvável que Rafael tenha tido resiliência e paciência coletivista de suportar o preciosismo de 2 grandes carismáticos vocalistas por mais de 20 anos e aguardar 10 anos para recuperar o domínio sobre a banda, cujo nome era propriedade imaterial do primeiro empresário do grupo, Toninho Pirani. Sobre esse mecenas ao contrário, um desfile de dilentantismos gerenciais costumam ser notados entre os críticos da cena, para ilustrar como a banda poderia ter ido ainda mais longe em termos de projeção e perfomance. Por exemplo: o mesmo parece ter esmorecido nas tratativas para fechar uma oportunidade dos sonhos do Angra, de ser coempresariado pelo Iron Maiden LLP, umas das empresas mais rentáveis do mundo de entretenimento na Inglaterra.
Contra ele, o que contribuiu para criar um secessão em 2 clãs no grupo, pesou uma acusação de que haveria um suposto envolvimento em um suposto esquema mafioso de pirataria dos discos da banda. O resultado foi que, todos outros membros, exclusive Rafael e o guitarrista Kiko Loureiro, saíram da banda para serem sócios da Shaman em 2003. Os demais vislumbraram a oportunidade de ter mais protagonismo no grupo, por se sentirem, talvez, ofuscados pela estrela genial e geniosa maior de Andre Matos, com possibilidade de utilizar da projeção de uma banda na estrada com mais de 10 anos de sucesso como trampolim para chegar a uma banda com mais estrutura e renome, como fizera Kiko, que hoje está no Megadeth, ou se tornar donatário da banda, como ocorreu com Rafael -, apesar de que os novos integrantes do Angra tem sociedade na porcentagem do lucros de shows e turnês.
Do lado de cá do palco, a percepção da figura do vocalista, como um relações públicas da banda para sua promoção institucional, que tem sido imprimida na história do Angra, apesar de comum em grandes bandas do gênero metaleiro no mundo, não condiz com o protagonismo que um cantor costuma assumir no imaginário cultural de um país cancionista como o Brasil. Daí, o que se percebe é um paradoxo da consolidação da projeção do grupo fora do país com o Angra na voz do italiano Fábio Lione, e no Brasil, na voz de Edu Falashi em seus shows covers. O cantor também tem vociferado, após retomar sua plena voz, que deve ser revista a matemática dos cálculos correspondentes aos valores relativos à direitos digitais de imagem e voz nos clipes do canal oficial do Angra.
Entre mortos e feridos desse disputado território cultural do Angra, não menos do que os terrenos de marinha na cidade homônima do Rio de Janeiro, predominou, como segue a tradição, em bandas como Iron Maiden-, para qual Matos figurou em um honroso terceiro lugar para substituir Bruce Dickinson em 1993 -, a fundante hegemonia da guitarra no metal. O que remonta, talvez, à questões de musicologia sobre histórico maior status conferido na cultura erudita europeia, muito ligadas ao entretenimento aristocrático das cortes monárquicas, pouco e nada politizado, ao instrumentalismo composicional e orquestrante, em detrimento de formatos operísticos falados, consideradas mais popularescos. Mas, ao mesmo tempo mais compatíveis com posicionamentos ideológicos bem definidos. Em todo caso, a palavra, a linguagem e a voz por serem elementos universais presentes na biologia de todo e qualquer ser humano, tendem, por isso, a despertar maior empatia do público, sobretudo, se menos elitizado e alfabetizado musicalmente.
No imaginário sociocultural dos fãs brasileiros, o vocalista Matos, também, por ser um pianista de mão cheia, é lembrado quase que, mensalmente, nos programas de rock no Youtube. Após sua morte, inclusive, foi realizado uma web-série e documentário quádruplo, produzido em parceria com sua família, no qual ele ganhou o cognome: “Andre Matos: o Maestro do Rock”. Somando a esses esforços de valorização desse “muso” inspirador, “Anjos Choram na Terra Sagrada de André Matos” pode ser um interessante preâmbulo sobre a produtiva e conflitiva vida e a obra desse doce metaleiro e suas canções épicas atemporais, que, desde os 13 anos de idade, quando fundou o Viper, sonhou se tornar maestro e acabou reinventando o Rock.

COMENTÁRIOS DO DIRETOR
Como surgiu a ideia do filme?
Le Blue: O filme surgiu da minha ligação afetiva com as músicas do disco “Angels Cry” e “Holy Land” da banda Angra, na época em que eu tocava bateria em bandas de rock nacional na cena musical em Goiânia. O primeiro álbum fazia uma fusão entre Bach e Helloween e o segundo, uma mistura ainda mais inovadora: barroco metaleiro com a música étnico-folclórica brasileira. Apesar do virtuosismo ser um chamariz inicial, o Angra, liderado pelo xamã Andre Matos, logo se tornaria um portal de reencantamento do mundo. A orquestração de partituras rebuscadas no rock com letras em inglês, mas sem deixar ter abertura para experimentalismos para o cor-local brasileiro, parecia ser uma amostra antropofágica de quão longe a cultura brasileira poderia chegar, investindo nesta “indústria de metais pesados”. Na esperança de que esses bons exemplos pudessem se tornar um farol capaz de ressoar no cenário político e econômico do país, adentrava, antes do final do século XX, o microterritório de uma banda de heavy metal como uma forma de fazer parte de uma irmandade iniciática e cosmogônica, potencializadora de cidadania plena de direitos e deveres. Sempre pensava na relação do nome da banda paulistana com a usina nuclear homônima (Angra I e II), mas aquela, ao contrário dessa, funcionava perfeitamente e exportava energia para todo o mundo. Como energia atômica, a banda, em questão, tem seu lado tóxico também.
Qual a proposta conceitual do “Anjos Choram na Terra Sagrada de Andre Matos”?
Le Blue: A intenção era homenagear esse líder de geração que é o Andre Matos, ainda pouco conhecido no Brasil, talvez, em função de ser o heavy metal, um estilo muito especializado e segregado, e além disso, cantado em inglês com imagens poéticas classicistas, por vezes, pouco acessíveis para o leitor médio. Nesse sentido, tentei traduzir com uma seleção de imagens e entrevistas sobre a passagem, cheia de oscilações de humor e genialidade, desse cometa sonoro que foi Matos, para que mais pessoas possam conhecer sua musicalidade angelical, mas também humana. E para os que já o conhecem, e estão na estrada musical, possam entender os dramas karmáticos vividos por ele, em função de conflitos interpessoais com a parte empresarial da banda Angra, para que, por um lado, sem perder a capacidade crítica de evitar os abusos alienantes da vida capitalista, por outro, evite-se a máscara da transcendência que muito pode custar ao corpo e às finanças de qualquer cidadão sonhador. Em todo caso, o dilema de pensar trajetórias de talentos brasileiros, o país do futuro que nunca vem, costuma ser sempre o fato de que o DNA cultural do macunaíma cordialista latente em nós, costuma ser o nosso maior trunfo, mas também aquilo que nos coloca em parafuso, em face das grandes conflitualidades sociais e interpessoais, que afetam o psicológico dos indivíduos promissores, e, que, uma vez, internalizado, passam a atuar como elemento sabotador, dessa vez, de dentro para fora.
Como sua experiência musical com baterista-vocalista influenciou na iniciativa do filme?
Le Blue: Minha ideia era resgatar minhas origens também rockeiras e metaleiras que, em algum momento, foram interrompidas, pelo fato de eu não ter me desenvolvido, em termos de teoria e prática musical. Mas, também, talvez, muito em função do preconceito contra o gênero -, sobretudo, morando, em Goiânia, onde nem o pop rock se consolidou como música comercial e o underground local sempre a mimetizar Seattle -, inclusive, contra meu instrumento, a bateria, que para os ouvidos leigos, pode ser percebido como se fosse uma banda de trash metal, mesmo que você esteja tocando bossa-nova. É claro que há uma questão racial e anticorporal nessa discriminação da orquestração rítmica (“cozinha” da música), muito associado no Brasil à africanitude cultural (sempre) braçal, o que faz pessoas da elite, mesmo nas medievais escolas e academias de música academicista e eurocêntrica, não considerar muito a batera como um instrumento laureado, o que mina seus espaços de treino e lugares de fala. Nos discos “Angels Cry” e “Holy Land” a percussividade brasileira é levada a extrema potência, o que servia como um treino mental das possibilidades criativas e performáticas do ritmo. Muitos anos depois, em 2021, fiz uma releitura do imaginário e musicalidade caiçara na obra de Dorival Caymmi através do co(a)nto de pescadores, intitulado “SUÍTE DOS PECADORES tecnoilógica civilização caiçara pós-caymmi-smetakiana”, que mescla Música Contemporânea, MPB, e Heavy Metal, mas utilizando exclusivamente percussões, porém, tocadas como se fosse bateria de rock.
Qual legado de Andre Matos para o Rock para você e para sua geração?
Le Blue: Andre Matos é músico ímpar: compositor, cantor, instrumentista, regente e líder. Na época que conheci os dois primeiros discos do Angra, tentava esboçar meus primeiros acordes como autor de canções. Mesmo que me parecesse longínqua qualquer possibilidade de me arriscar no gênero do metal, propriamente, as ambiências místicas e míticas de suas músicas e seus condiscípulos do Angra, sempre foram uma espécie de carro-conceito do que um músico de rock poderia se tornar em termos de performance e criatividade. Acabaram por me nortear nas esquinas da Avenida Música com o Beco da Antropologia, permitindo criar minhas próprias misturas alquímicas de ideias e gêneros, mas também entre ciência e arte, entreciências e entreartes, por meio do movimento cultural e cartográfico ARTetetura e HUMANismo e, depois, o ARTeteTURismo. A capa do disco “Holy Land” (mapa das grandes navegações na América) e suas músicas sobre um Brasil ainda sacralizado pela identidade territorial das inúmeras tribos indígenas, foram, em sua sempre fizeram parte do meu mapa mental de artes feitas no Brasil social e ambientalmente responsáveis. Em respostas a esses estímulos da pós-adolescência, muitos anos depois, em 2021, ainda no contexto de pandemia, gravaria meu primeiro disco, “LUA & ANA: lunáticas operetas do Vale da Lua para a SuperLua”, que foi, justamente, uma ode rock-operístico de amor mitológico entre dois entes naturais, que em muito remonta a experiência musicoterapêutica de transcendência mítica da escuta desses, literalmente, ontológicos, “dois primeiros discos do Angra”, com suas aglutinações de claro e escuro, de erudito e popular (MPB), de ópera e rock (nacional).
Em termos de história social e musical, esse mameluco Andre Matos, além de ter cocriado 3 maiores das 5 maiores bandas do Heavy Metal no Brasil (as outras são Sepultura e Dr. Sin), sem contar sua carreira solo e suas participações energéticas nas músicas relaxantes, sem guitarras, de Corciolli, o mago do new-age no Brasil, ele trouxe para o rock o ensinamento da importância do estudo musical como forma de aperfeiçoamento técnico -, o que acabei não seguindo ao pé da nota. Mas, o que fica mesmo, para além desse “teatro dos fatos” das intrigas de bastidores -. insuflado pelo contexto globalizado em São Paulo que forjou um individualismo e competitividade exasperante -, são as obras-primas que nos fazem mergulhar, áudioguiados por sua voz estridente, em uma Terra Sagrada onde os Anjos Choram, cada vez que esse xamã do Yin e do Yang, canta seus hinos ressonantes e acelerados de devoção ritualística à natureza e à humanidade.
Estreia do filme sobre Andre Matos
Dia 08 de Junho
“Anjos Choram na Terra Sagrada de Andre Matos” (BRA, 2023, 141 min)
Direção Fred Le Blue
(BRA, 2023, 141 min)
Canal:
https://www.youtube.com/@arteteturaehumanismo
Link do filme: